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» » » » A língua como recurso de preservação da cultura



A criação da pólis deu-se aproximadamente no ínterim dos séculos VIII e VII, quando a vida social foi remodelada para padrões que formaram a base da civilização ocidental. A grande mudança acabou por acarretar a formação de uma rica cultura grega, porque agora todos os cidadãos estavam entrosados como uma massa única que transpôs-se no demos da pólis. Essa nova cultura foi modificando os costumes e a convivência desses povos, alterando assim o código de conduta da vida em sociedade. A cultura foi sendo repassada hereditariamente através das mais diversas práticas sociais, que funcionavam como ritos de aprendizagem, conservação e transformação da cultura. Essa comunicação se dava através do sistema de signos, que permeavam a comunicação de homem para homem. Os signos, que podiam ser gestos, sons, palavras, se valiam como objetos de interação que possuíam um caráter ideológico carregado dos valores da sociedade de que um indivíduo é membro. Assim, aprendendo a língua de seu grupo em seu ambiente natural, o indivíduo vai tomando para si um código linguístico-ideológico que equivale à adequação aos costumes da sociedade.



Segundo dados de pesquisa da Unesco, cerca de 3 das 6 mil línguas que existem espalhadas pelo mundo estão em risco de extinção. Uma perda como essa representa um grande buraco na ciência e na cultura, já que uma língua nunca vem carregada apenas de gramáticas simples ou complexas, de palavras ou fonemas únicos. Uma língua é o resultado das convenções e práticas sociais, que por sua vez são disseminadoras naturais da cultura que foi formulada muito antes. Responsável pelas regras que possibilitam a intercomunicação entre indivíduos, é uma tábua de valores que é transmitida à geração seguinte. O desaparecimento de uma língua acarreta a perda total de uma cultura que pode ter levado muito tempo para ser consumada, uma irreparável fresta na história da humanidade que nunca poderá ser recuperada em sua totalidade. Só um falante nativo que tenha a outro falante nativo pode transmitir as verdadeiras características desse bem cultural imaterial tão precioso.


De mais de mil línguas indígenas existentes no Brasil, só 15% perduram até hoje. Desde a colonização brasileira pelos portugueses, a cultura indígena sofreu reviravoltas gritantes que mudaram bruscamente vários aspectos da sua cultura. Revoltas, massacres, escravidão, muitas interferências de outros povos alteraram permanentemente várias crenças e costumes indígenas. Por vezes, muitos povos também foram dizimados, outros tantos foram rejeitados pelos próprios entornos. Pequenas tribos que tinham um dialeto próprio, uma cultura singular, se perderam há muito. Talvez tenha havido muitos que sequer sabemos que tenha existido, talvez até mesmo que ainda não sabem da existência de outros povos não-indígenas. Mas, de uma forma ou de outra, cada povo é um povo. Possui uma cultura divergente ou convergente com outros, uma religião prática, um saber singular, uma língua somente sua.

Angel Corbera Mori, etimologista da área de Línguas Indígenas, esteve em contato direto com o povo Mehinaku, habitantes das margens do rio Curisevo no Alto Xingu, Parque Nacional do Xingu (MT). "Cada língua indígena constitui um sistema de comunicação, como tal tem gramática como qualquer outra língua natural, do contrário os falantes não poderiam se comunicar entre si. Por exemplo, se for pela primeira vez para uma aldeia indígena e essa língua ainda carece de estudos, terei inicialmente que coletar palavras com ajuda dos próprios falantes. Nessa fase inicial todas as palavras serão anotadas em transcrição fonética, constituída de símbolos especiais com base nas letras do alfabeto latino, mas com valores específicos para reproduzir quase exatamente a pronunciação do falante nativo." E ainda completa: "O povo Mehinaku, como acontece com todas as sociedades indígenas, não é plenamente reconhecido pela sociedade nacional. O Brasil, no contexto dos países da América do Sul, é o país onde se concentra a maior diversidade linguística e cultural. Mas a valorização das línguas indígenas pela sociedade nacional, pelo Estado, pelas universidades nacionais e pelos organismos de fomento à pesquisa ainda são muito tênues. Ainda o leigo, e mesmo as pessoas cultas com nível acadêmico de ensino superior, acham que os indígenas falam dialetos ou “gírias”. Chega-se ao absurdo de considerar que uma língua indígena carece de gramática. Sem dúvida, essa visão é etnocentrista. As pessoas acham que só as línguas indo-europeias têm gramáticas."


Os anos vão chegando, as décadas se achegam. A sociedade vai se alterando minuciosa e lentamente conforme ela própria vai se desenvolvendo. O avanço tecnológico que domina o mercado ocupa as mentes mais capitalistas, a religião se esvai na vida rotineira, os credos que deixam de ganhar a importância que um dia já tiveram. A sociedade entra em um processo de segregação sutil, que deixa cada vez mais distantes as classes sociais. Em grandes cidades, essa mudança favorece uma relativa alteração nos costumes e até mesmo nos dialetos dos indivíduos sociais. As classes mais altas e com mais poder aquisitivo são as que mais tem contato com essa globalização de informações, fazendo disso uma porta de entrada para uma mudança sutil que situa novos conceitos e termos técnicos em seu dialeto. Pequenas modificações também são sentidas nas classes com menos acesso a cultura, tornando seu  vocabulário fraco e pobre se comparado aos parâmetros do primeiro.


Também é perceptível a mudança em larga escala, como por exemplo o sotaque e de fragmentos do vocabulário de nativos de diversas regiões brasileiras. Dentro do mesmo estado, milhares de variações são notadas ao falar e ao escrever. Banhados pelo mar de informações que permeia os meios de comunicação, as grandes capitais mais desenvolvidas concentram um número maior de falantes da norma culta, uma consequência do acesso quase irrestrito à informação e das requisições feitas pelo mercado de trabalho. É extremamente necessário no âmbito profissional, já que os indivíduos da sociedade tendem a acompanhar o desenvolvimento do meio em seu torno. Nas cidades menos assistidas, com meios mais rudimentares de comunicação, ou ainda pela ausência de uma cultura que valorize a busca pela informação, o povo que ali habita desvia-se da norma culta e passa a criar novos dialetos, com palavras específicas para diversos significados cotidianos que até mesmo não se encontram no vocabulário culto.


Muitos indivíduos desconhecem os vocábulos das variações dialéticas da sua região. Por vezes, o preconceito é o que motiva essa ignorância quanto ao que pode se chamar de uma cultura embutida dentro da sua própria. Como no desenvolvimento da escrita grega: seus pensadores nutriam um enorme preconceito quanto ás línguas que não eram suas. O conhecimento das línguas dos estrangeiros para eles era dispensável. Consideravam-nas  rudimentares e pejorativas. Deu-se, então, um relativo atraso no desenvolvimento da habilidade de aprendizagem de línguas que não fossem as suas. Um atraso como ele repercute não apenas no conhecimento da cultura e da íngua alheia, mas também nas relações comerciais que podem ser consumadas. Com o desconhecimento dos costumes do povo em questão, pode ser sumariamente impedido o comércio, a interação e a convivência entre ambos.


Referências/Links Externos:
VERNANT, J. P. As Origens do Pensamento Grego, 2002.
LOPES, Edward. Fundamentos da Linguística Contemporânea, 1935.
Wikipedia.org
Dw.de
Terradagente.com.br

Sobre Mallully

Maria Luiza Pinto, 20 anos, mora em Fortaleza. Tendo cursado Letras na Universidade Federal do Ceará por cinco semestres, teve o gostinho do que um dia quer fazer apenas por hobbie, porque admira mas detesta a atividade de lecionar. Atualmente cursando Fisioterapia, nunca tendo antes aprofundado seus estudos na área da Saúde, mas justamente por essa razão está tentando dar o seu melhor. Amante da pintura, da fotografia, da música e da literatura, se propõe a rabiscar nas paredes da mente quando bate a inspiração, ávida farejadora de qualquer conhecimento que consiga pôr as mãos em. Tem gostos estranhos para leitura mas aprecia o melhor que se pode adquirir de cada obra. Está detestando escrever na terceira pessoa e jurando nunca mais fazer isso de novo.
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