A Lua, quando fica velha, todo o mundo sabe que vira lua nova.
Mas negro velho vira macaco. Desses macaquinhos de realejo... Cuidado:
quanto mais velhos mais vivos. Sabem tudo. Descobrem tudo. Se tens algum
pecado oculto, foge das suas caretas falsamente amigas, dos seus
olhinhos espertos e cínicos!
E os velhos jurisconsultos viram fetos... esses fetos que a gente olha,
meio desconfiado, nos bocais de vidro.., e que, no silêncio dos
laboratórios, oscilando gravemente as cabeças fenomenais, elucubram
anteprojetos, orações de paraninfo, reformas da Constituição... Sempre
que puderes, crava um punhal, um garfo, um prego, no miolo mole dos
fetos.
Em compensação, as velhinhas que fazem renda viram fio... Fio, sim
senhor! Esses fios que vagam soltos no ar... que ninguém sabe de onde
vêm.., e se prendem num galho morto... no chapéu do viajante
solitário.., no freio do seu cavalo.., que se prendem, desesperadamente,
num lábio fresco, numa trança ao vento...
E os velhos que mal podem acender os cigarros, os pobres velhinhos
trêmulos viram reflexos... Esses reflexos que dançam no ar... que nascem
no ar... De uma vidraça.., de um para-brisa... do galo do para-raios que
volteou de súbito... de folhas que se assustam, de mariposas
tontejando. de uma ronda infantil sob a lua redonda...
QUINTANA, Mário. Sapato florido. 1.ed. Porto Alegre: Editora Globo.
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