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» » » » Da origem das ideias, de David Hume



Cada ser humano pode diferenciar a percepção do espírito: quando uma pessoa sente a dor do calor excessivo ou prazer do calor moderado, e quando depois recorda em sua memória essa sensação ou a antecipa por meio da imaginação. Essas faculdades podem imitar ou copiar as percepções de sentido, mas nunca podem alcançar integralmente a força e a vivacidade da sensação original. O máximo que podemos dizer é que imaginamos uma sensação tão fortemente que quase podemos senti-la. Mas, a menos que seu espírito esteja perturbado pela loucura, nunca chegam ao tal grau de vivacidade que não seja possível discernir as percepções dos objetos.

Podemos observar uma distinção entre todas as percepções de espírito. Um homem que sofre de um ataque de cólera é estimulado de maneira muito diferente de um outro que apenas pensa nessa emoção. Se alguém diz que outro está amando, logo se forma uma concepção precisa de sua situação, mas nunca se pode confundir esta ideia com as reais sensações da paixão. 

Quando refletimos sobre nossas sensações e impressões passadas, nosso pensamento é um reflexo fiel e copia dos seus objetos com veracidade, porém as cores e percepções são fracas perante aquelas originais. Podemos, então, dividir todas as percepções de espírito em duas classes ou espécies: as menos fortes e menos vivas são chamadas de pensamentos ou ideias. Já as impressões são quando as percepções são mais vivas e fortes, quando ouvimos vemos, sentimos, amamos e odiamos. As impressões e ideias podem se diferenciar quando o indivíduo reflete sobre as proposições acima.

À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que  o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Apesar de o corpo arrastar-se confinado em um só planeta, o pensamento pode transportar-nos num instante à regiões mais distantes do Universo. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, exceto o que implica absoluta contradição.

Entretanto, embora nosso pensamento pareça possuir liberdade ilimitada, podemos verificar através de um exame muito minucioso que ele está realmente limitado dentro de um algo muito reduzido e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Todos os materiais derivam de nossas sensações externas ou internas, mas a mistura e composição deles dependem do espírito e da vontade.

Todas as nossas ideias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões ou percepções mais vivas.

Para prová-lo, vamos nos usar de dois argumentos. Primeiro, se analisarmos nossos pensamentos ou ideias, por mais compostos que sejam, verificamos que sempre se reduzem a ideias tão simples como eram as cópias das sensações precedentes. Mesmo as ideias que parecem mais distantes, são, na verdade, em algum ponto derivada delas.

A ideia de Deus, significando o Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, nasce da reflexão sobre as operações de novo próprio espírito, quando aumentamos indefinidamente as qualidades da bondade e sabedoria. 

Segundo, se ocorre que o defeito de um órgão prive um ser humano de uma classe de sensação, notamos que ela tem a mesma incapacidade de formular ideias a respeito. Assim, um cego não pode ter noção das cores nem um surdo dos sons. Ao abrir essas portas, no entanto, verificamos o nascimento de ideias e a pessoa não terá mais dificuldade para concebê-la. Em verdade, admitimos que outros seres podem possuir muitos sentidos dos quais não temos noção, porque a ideia desses sentidos nunca nos foram apresentadas pela única maneira por que uma ideia pode ter acesso ao espírito, isto é, mediante o sentimento e a sensação reais.

Há, no entanto, um fenômeno contraditório que pode provar que não é absolutamente impossível que as ideias nasçam espontaneamente. Acredito que se concordaria facilmente que as várias ideias de cores diferentes que penetram pelos olhos são realmente diferentes uma das outras, embora pareçam. Se isso é verdadeiro a respeito das diferentes cores, deve ser igualmente para os diversos matizes da mesma cor; e cada matiz produz uma ideia diversa, independente da outra. Suponhamos então que uma pessoa gozou durante trinta anos de sua perfeita visão e se tornou familiarizada com cores de todos os gêneros, exceto com um matiz particular de azul, que nunca teve a sorte de ver. Coloquemos então todos os diferentes matizes daquela cor, exceto aquele único, de frente para aquela pessoa, decrescendo do mais escuro ao mais claro. Certamente ela perceberá o vazio onde falta este matiz, terá o sentimento de que há uma grande distância naquele lugar, entre as cores contíguas, mais do que em qualquer outro. Ora, pergunto-lhe se seria possível, através de sua imaginação, preencher este vazio e dar nascimento à ideia desse matiz em particular seus sentidos não lhe forneceram.

Todas as ideias, especialmente as abstratas, são naturalmente fracas e obscuras; o espírito tem sobre elas um escasso controle; elas são apropriadas para serem confundidas com outras ideias semelhantes, e somos levados a imaginar que uma ideia determinada está aí anexada se, o que ocorre com frequência, empregamos qualquer termo sem lhe dar significado exato. Pelo contrário, todas as impressões, isto é, as sensações, externas ou internas, são fortes e vivas; seus limites são determinados com mais exatidão e não é tão fácil confundi-las.

De que impressão é derivada aquela suposta ideia?


Resumo de:
HUME, David. Os pensadores. 1.ed. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1999.

Sobre Mallully

Maria Luiza Pinto, 20 anos, mora em Fortaleza. Tendo cursado Letras na Universidade Federal do Ceará por cinco semestres, teve o gostinho do que um dia quer fazer apenas por hobbie, porque admira mas detesta a atividade de lecionar. Atualmente cursando Fisioterapia, nunca tendo antes aprofundado seus estudos na área da Saúde, mas justamente por essa razão está tentando dar o seu melhor. Amante da pintura, da fotografia, da música e da literatura, se propõe a rabiscar nas paredes da mente quando bate a inspiração, ávida farejadora de qualquer conhecimento que consiga pôr as mãos em. Tem gostos estranhos para leitura mas aprecia o melhor que se pode adquirir de cada obra. Está detestando escrever na terceira pessoa e jurando nunca mais fazer isso de novo.
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